maio 2012brief ANA CLÁUDIA MANUELITO O NOVO CONCEITO ESTRATÉGICO DA NATO E O FUTURO DA COMUNIDADE TRANSATLÂNTCA MARITIMIDADE E CONTINENTALIDADE: O PORTUGAL HÍBRIDO DIRECTOR COORDENADOR EDITORIAL CENTRO EDITORIAL PROPRIEDADE, DESIGN GRÁFICO E EDIÇÃO ISSN 2182-5327 Depósito Legal 340906/12 Vitor Daniel Rodriges Viana (Director do IDN) Alexandre Carriço Cristina Cardoso, António Baranita e Luísa Nunes Instituto da Defesa Nacional Calçada das Necessidades, 5, 1399-017 Lisboa Tel +351 21 392 46 00 . Fax +351 21 392 46 58 Idn.publicacoes@defesa.pt Institutodn da Defesa NacionalN O S AD OÃÇAN O novo Conceito Estratégico da NATO, aprovado em finais de 2010 em Lisboa, é o principal documento orientador da estratégia da Aliança Atlântica para a próxima década. Este conceito é também substancialmente mais curto que os conceitos anteriores. A aprovação de um texto mais curto, embora não tão curto quanto o anunciado inicialmente, é um esforço de diplomacia pública da Aliança, no sentido de tornar claros os objetivos de longo prazo junto da opinião pública e dos países estrategicamente relevantes para a organização. P5 P2 Portugal é um país híbrido, tendo em conta os seus fortes traços marítimos e continentais. O objetivo deste ensaio não é conotar negativamente Portugal pelo seu hibridismo. Na realidade, este particularismo português deve ser realçado. São muitas as oportunidades decorrentes do carácter marítimo e continental, ou atlântico e europeu, e, além disso, nada prova que estes termos se encontrem em dicotomia, muito pelo contrário. MARIA FRANCISCA SARAIVA P2 O NOVO CONCEITO ESTRATÉGICO DA NATO E O FUTURO DA COMUNIDADE TRANSATLÂNTCA INTRODUÇÃO O NOVO CONCEITO ESTRATÉGICO DE LISBOA ancorada na ideia de segurança partilhada e na manutenção da relação transatlântica, mas O novo Conceito Estratégico da NATO, aprovado perdeu muito da sua identidade original.em finais de 2010 em Lisboa, é o principal Na Guerra Fria, a Aliança Atlântica permitiu documento orientador da estratégia da Aliança conter política e militarmente a ideologia Atlântica para a próxima década. difundida pela União Soviética na Europa. O O documento é inovador sob vários pontos de sucesso deste pacto militar defensivo euro-vista. Desde logo, pela forma como foi negociado. atlântico foi enorme, permitindo o acoplamento O Secretário-Geral da NATO pediu a um grupo de militar da Europa ao bloco ocidental das peritos chefiados por Madeleine Albright que democracias pluralistas sem que tenha havido produzisse um relatório (Albright et al., 2010), necessidade de utilizar a força armada para que serviu de ponto de partida para a negociação defender a soberania territorial dos seus do texto que viria a ser oficialmente aprovado em membros. Novembro de 2010. O desmantelamento do Pacto de Varsóvia Este conceito é também substancialmente mais permitiu que se iniciasse uma discussão interna curto que os conceitos anteriores. sobre a identidade e os fins da Aliança num A aprovação de um texto mais curto, embora não ambiente pós-bipolar. Para além da sua função tão curto quanto o anunciado inicialmente, é um primacial de defesa coletiva contra uma agressão esforço de diplomacia pública da Aliança, no armada, muito se tem discutido sobre o seu sentido de tornar claros os objetivos de longo papel como produtor e fornecedor de segurança, prazo junto da opinião pública e dos países em termos de assumpção de responsabilidades estrategicamente relevantes para a organização. na gestão de crises e no âmbito da segurança O documento apresenta uma organização mais cooperativa.aberta ao exterior e atenta aos assuntos de Inevitavelmente, estes temas potenciaram segurança internacional que podem perturbar a tensões e perturbaram a coesão política entre os ordem mundial e os equilíbrios regionais. seus membros. Assim, de revisão em revisão, os Neste contexto, importa refletir sobre o futuro da Conceito Estratégicos da NATO perderam o comunidade transatlântica, tendo em conta as estatuto de documentos orientadores da inovações introduzidas na cimeira de Lisboa. estratégia militar da Aliança, assumindo um pendor essencialmente político. Deste ponto de vista, o Conceito Estratégico aprovado em Lisboa em 2010 é um exercício de pura diplomacia Em 1949, a NATO nasceu como um projeto pública (Yost, 2005, Ringsmose e Rynning, político apoiado nos valores da democracia, da 2009), em que o papel político da NATO como liberdade e da solidariedade transatlântica. Em regulador da segurança global adquire uma 2010, a NATO permanece uma organização MARIA FRANCISCA SARAIVA Doutorada em Relações Internacionais pelo ISCSP onde é docente. Assessora e investigadora do IDN. importância nunca antes assumida pelos aliados. real capacidade de atuação no mundo. Para Recorde-se que nos finais do século XX, A NATO, ao estabelecer que a sua identidade é alguns, trata-se essencialmente de aprofundar as ocorreram transformações importantes na zona hoje mais global, e ao definir que deseja parcerias com países e organizações com quem euroatlântica. Estas transformações foram potenciar as parcerias que construiu nos últimos a NATO já pode contar do ponto de vista da motivadas pela pressão dos acontecimentos na anos, vai ao encontro do modelo defendido pelos projeção de forças a distância estratégica, como ex-Jugoslávia. Neste contexto, os Conceitos Estados Unidos e Reino Unido para a é o caso das operações militares em que há Estratégicos de 1991 e 1999 procuraram organização. Neste sentido, na cimeira de Lisboa envolvimento do Japão, Coreia do Sul e Austrália centrar-se na Europa de Centro e Leste, “a NATO tratou de se institucionalizar como uma (Garcia, 2009). Estes países são Países de promovendo uma política de estabilização destes verdadeira organização político-militar à escala Contacto com quem a NATO mantém um diálogo territórios. Também, e por outro lado, a global capaz de político, sendo possível que a rede de parcerias possibilidade de adesão destes países à NATO que a NATO deseja reforçar venha a incluir, no permitiu-lhes uma transição mais fácil para um futuro, democracias como o Brasil, a Índia e a modelo de democracia política e de economia de como uma grande organização África do Sul (Daalder e Goldgeier, 2006). Para mercado. cada vez mais pluricontinental” (Saraiva, 2012: outros, a área de intervenção da NATO não tem O novo Conceito Estratégico de Lisboa dá um 2) de ser necessariamente tão alargada. Faltará, novo alento à organização e desloca a sua área O Conceito Estratégico de Lisboa define o papel sim, dotar a NATO de instrumentos que lhe de intervenção prioritária para fora do perímetro da NATO no sistema internacional a partir de três permitam enfrentar os desafios do terrorismo euro-atlântico, para a zona da Ásia-Pacífico, num pilares de atuação principais. transnacional, construir uma estratégia credível projeto de índole global com metas mais O primeiro, que continua a ser o ponto central da face à possibilidade de ocorrerem ciber-ataques, ambiciosas. sua construção normativa, é a assumpção de um eficaz combate à pirataria e a garantia de responsabilidades no domínio da defesa coletiva acesso a recursos energéticos vitais. dos seus membros, com base no artigo 5.º do No Conceito Estratégico de Lisboa, a noção de Tratado de Washington, que invoca o artigo 51.º segurança cooperativa contextualiza a ideia de da Carta das Nações Unidas (defesa coletiva). constelações de redes de cooperação e tarefas a Decorrido pouco mais de um ano após a No que respeita ao segundo pilar, a gestão de desempenhar pela Aliança no século XXI, o que aprovação do Conceito de Lisboa, observa-se que crises, sabemos que a NATO tem aumentado a envolve ainda um terceiro aspeto que a identidade global da NATO ainda está a dar os sua presença em missões de gestão de crises complementa os anteriores: a continuação de primeiros passos. Desde logo, porque há países em várias zonas de conflito e que este uma política de porta aberta a democracias que aliados com conceções mais restritas sobre o envolvimento tenderá a acentuar a combinação desejem participar no projeto político da NATO. que deve ser o papel da NATO. É o caso da de meios civis e militares para resolver os Do nosso ponto de vista, a segurança cooperativa Polónia e dos países bálticos, para quem a problemas de segurança mais complexos nestes é o aspeto mais inovador deste Conceito expressão máxima da solidariedade interaliada espaços. Estratégico, pois o que é proposto no texto do assenta nas garantias do artigo 5.º, que tende a Em terceiro lugar, o documento assume novo Conceito corresponde a uma visão confinar a área de atuação da organização aos abertamente que a organização é hoje substancialmente nova para o futuro da territórios dos Estados membros. Por outro lado, politicamente mais ambiciosa e que tem uma organização. a Alemanha, a França e a Espanha recusam a garantir a liberdade e a segurança dos seus membros onde e quando os seus interesses estiverem ameaçados, assumindo-se O FUTURO DA COMUNIDADE TRANSATLÂNTICA NUMA NATO GLOBALIZADA De revisão em revisão, os Conceito Estratégicos da NATO perderam o estatuto de documentos orientadores da estratégia militar da Aliança, assumindo um pendor essencialmente político. No Conceito Estratégico de Lisboa, a noção de segurança cooperativa contextualiza a ideia de constelações de redes de cooperação e tarefas a desempenhar pela Aliança no século XXI (...) maio 2012brief ideia de uma globalização do teatro de opções disponíveis para reforçar a posição de NATO”. Foreign Affairs, Vol.85: 5 (Sept-Oct), operações, apostando numa projeção regional de Portugal na Aliança Atlântica. pp.105-113. forças tendo em conta a necessidade de dar Garcia, Francisco Proença (2009). “A NATO Hoje resposta às ameaças que se manifestam junto - Uma Perspectiva”. Briefing 2, Lisboa: das fronteiras da NATO. Para a política externa portuguesa, a Aliança IEEI/GREES, pp 11. Disponível em Apesar de recebido com entusiasmo em Atlântica continua a ser indispensável para a http://www.ieei.pt/files/Nato%20hoje-Portugal, a verdade é que o Conceito Estratégico manutenção da solidariedade transatlântica. uma%20perspectiva_FPGarcia.pdf.de Lisboa abandonou o conceito de NATO como No entanto, as opções tomadas na cimeira de organização regional euro-atlântica. Ora, o Lisboa tornaram a segurança do espaço euro- NATO (2010). Active Engagement, Modern espaço estratégico de afirmação de Portugal atlântico um tema relativamente secundário face Defence, Strategic Concept for the Defence and coincide, em larga medida, com a segurança do aos interesses estratégicos existentes na área da Security of the Members of the North Atlantic Atlântico e regiões adjacentes, o que significa Ásia-Pacífico. Treaty Organization, adopted by Heads of State que a nova matriz identitária da NATO pode Para Portugal, uma NATO regional seria muito and Government in Lisbon, 19 Nov. dificultar a afirmação dos interesses portugueses mais útil como veículo de afirmação dos Ponsard, Lionel e Yost, David S. (2005). “Is It na organização. interesses nacionais no oceano Atlântico, norte Time to Update NATO's Strategic Concept?”. De facto, embora sejam de realçar os esforços da de África e África subsariana. Neste sentido, a NATO Review, Autumn. Disponível em diplomacia portuguesa, a nova distribuição turbulência no norte de África provocada pela http://www.nato.int/docu/review/2005/issue3/geográfica dos comandos da NATO, decidida em Primavera Árabe pode conduzir a uma revisão english/debate.html2012, ditou a perda do Comando NATO de Oeiras, das prioridades da Aliança, permitindo a sua Comando Aliado Conjunto de Lisboa (JFCLB). Por afirmação como estabilizador regional. Este Ribeiro, António Silva (2011). “O Conceito outro lado, a NATO decidiu utilizar a base de Rota cenário, a concretizar-se, facilitaria a consecução Estratégico da NATO”. Comunicação apresentada (Espanha) como base para as embarcações dos interesses portugueses, salvaguardando a na Academia de Marinha. Disponível em norte-americanas de defesa antimíssil, no quadro nossa presença e interesses nestes territórios. http://www.marinha.pt/PT/amarinha/actividade da instalação de um escudo antimíssil na Europa. /areacultural/academiademarinha/Conferencias Outra questão que gostaríamos de trazer à /Documents/11JAN11.pdf colação diz respeito ao papel geostratégico da Ringsmose, Jens e Rynning, Sten (2009). Come base das Lages. Esta base é da maior Home, NATO? The Atlantic Alliance's New importância geoestratégica no quadro do Strategic Concept. Copenhagen: DIIS Report triângulo estratégico português. No entanto, a 2009: 4.base das Lages tem vindo nos últimos anos a Saraiva, Maria Francisca (2012). “Portugal e o reduzir as suas valências militares. Recorde-se que a base das Lages não tem apenas que ver Novo Conceito Estratégico da NATO”. Lisboa: com a nossa capacidade de afirmação política na Actas do I Congresso Internacional do Observare. Daalder, Ivo e Goldgeier, James (2006). “Global NATO, mas com a nossa política de alianças e as CONCLUSÕES REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Albright, Madelaine et al (2010). NATO 2020: Assured Security; Dynamic Engagement - Analysis and Recommendations of the Group of Experts on a New Strategic Concept for NATO. Brussels: Public Diplomacy Division. Disponível em http://www.nato.int/strategic- concept/expertsreport.pdf. P4 Apesar de recebido com entusiasmo em Portugal, a verdade é que o Conceito Estratégico de Lisboa abandonou o conceito de NATO como organização regional euro-atlântica (...) a nova matriz identitária da NATO pode dificultar a afirmação dos interesses portugueses na organização. Para Portugal, uma NATO regional seria muito mais útil como veículo de afirmação dos interesses nacionais no oceano Atlântico, norte de África e África subsariana. Miguel Torga definiu, admiravelmente, Portugal. adormecida que tinha ficado pela opção europeia Um país com fortes traços marítimos e que se foi desenvolvendo. continentais. É sob este prisma que traçamos a Por outro lado, e mais recentemente, a aprovação hipótese que ”Portugal é um país híbrido”. No da Política Marítima Integrada, aquando da decorrer do ensaio faremos alusão às presidência portuguesa da União Europeia em componentes marítimas e continentais de 2007, mostra a posição híbrida de Portugal ao Portugal, demonstrando a sua importante e condensar duas vertentes tão importantes do benéfica complementaridade, para um país século XXI. Acrescem também outros eventos inscrito no continente europeu mas tão próximo exemplificativos dos nossos traços marítimos, do grande “mar-oceano”. como o recente pedido de extensão da O objetivo deste ensaio não é, claramente, plataforma continental portuguesa, a localização conotar negativamente Portugal pelo seu da Agência Europeia de Segurança Marítima, hibridismo. Na realidade, este particularismo sediada em Lisboa, bem como a realização das português deve ser realçado. São muitas as Conferências do Atlântico, que tiveram lugar oportunidades decorrentes do carácter marítimo também em Lisboa no passado mês de e continental, ou atlântico e europeu, pois nada dezembro de 2011. prova que estes termos se encontrem em Quanto à nossa vocação continental/europeia, dicotomia. Afinal, somos uma nação com muitos também ela é notória, em grande parte, na nossa séculos de história, com um passado marcado história coletiva recente. Começou por se por fortes tendências marítimas e continentais. desenhar, na contemporaneidade, com a adesão Marítimas, pelas glórias da Era dos à EFTA - seguindo os passos do nosso aliado Descobrimentos, pela consideração dada ao mar inglês -, consubstanciando-se no primeiro sinal no período do Estado Novo, pela importância da de uma viragem em direção às potências CPLP, pelo nosso extensíssimo território continentais europeias (s.a., 2002). De facto, marítimo. Continentais, pela nossa posição com a adesão à CEE em 1986, Portugal redefiniu geográfica natural inscritos no continente os seus parceiros estratégicos Alemanha, França europeu , pelo projeto da União Europeia e por e Espanha criando-se um ambiente favorável à tantos outros exemplos que poderíamos elencar. expansão do ideal das grandes potências De acordo com Ruivo e Gameiro (2009), a continentais europeias, declinando, influência do mar nas mentalidades dos simultaneamente, as relações com os portugueses é transversal durante toda a nossa americanos e ingleses, potências com forte existência enquanto nação. Durante o Estado pendor marítimo. Novo, o mar era uma ideia cara ao regime Após 1976, fomos definindo e clarificando o vigente. Mais tarde, a EXPO 98 veio dar um novo nosso unívoco posicionamento atlântico e alento à vocação marítima portuguesa, um pouco europeu, como realidades indissociáveis uma da ANA CLÁUDIA MANUELITO Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais (FCSH- UNL) e mestranda em Relações Internacionais: Segurança e Defesa (IEP-UCP). É investigadora da Linha de Investigação Científica Maria Scientia sobre os Assuntos do Mar. Foi estudante ERASMUS no Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po) em 2010. Estagiou no Instituto da Defesa Nacional entre 2011 e 2012. MARITIMIDADE E CONTINENTALIDADE: O PORTUGAL HÍBRIDO maio 2012brief outra. Acresce ao que foi referido o facto de que políticas são as fronteiras europeias; as de tecnologia relativa ao transporte terrestre grande parte dos fundos comunitários recebidos segurança e defesa são as fronteiras da NATO; e (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003). No entanto, por Portugal nos anos subsequentes à sua as culturais são as fronteiras da CPLP. como Raymond Aron (2003) menciona no seu livro Paz e Guerra entre as Nações, durante as entrada na CEE em muito contribuíram para o A tendência de seleção entre maritimidade e duas guerras mundiais houve uma conjugação desenvolvimento do país, traduzindo-se numa continentalidade deve ser desvalorizada, senão de poderes terrestres e marítimos para vencer alavanca indispensável para o seu futuro a todos mesmo eliminada. Escolher uma vertente em poderes de unívoca natureza geográfica. os níveis. No entanto, não podemos pensar na detrimento de outra pode não ser uma estratégia Paul Kennedy (1988) introduz uma outra variável evolução da orientação portuguesa de uma forma coerente. Atendamos aos seguintes exemplos a Revolução Industrial que veio questionar tão linear. Seria erróneo atestar que a vocação que a História nos ensinou. definitivamente o pressuposto de Mahan de que europeia “tenha vencido” a vocação marítima. António Paulo Duarte (2003) alude-nos para os a geopolítica a primazia naval era sinónimo de poder, pelo Aliás, segundo Ernâni Lopes (s.d.), casos da França durante as guerras napoleónicas de Portugal reside em duas realidades: a contrário, a intensidade da produtividade ou da Alemanha nas duas guerras mundiais. afirmação e a pressão de um vetor de matriz industrial, combinada com o fácil acesso a vastas Ambos os países foram derrotados através de europeia-continental e a exigência e necessidade dimensões continentais e populosas uma coligação de poderes continentais e de uma procura de vetores de compensação que asseguraram a supremacia das potências marítimos. É de sublinhar também as disputas foquem o posicionamento de Portugal em relação vindouras (Duarte, 2003). Deste modo, podemos entre o império russo e o império britânico que à dimensão atlântica, nomeadamente com o concluir que a industrialização fomentou as refletiam indiscutivelmente a dualidade das Reino Unido, Estados Unidos e CPLP. redes de transporte terrestres e tornou o poder vertentes terrestres e marítimas. Na verdade, naval muito menos útil, mas o inverso também é Sumariando este ponto, quer a vertente marítima, nenhum dos impérios triunfou. Assim, podemos verificável: o poder terrestre também se tornou quer a vertente continental, fazem parte da afirmar que se torna bastante difícil, ou mesmo mais vulnerável a pressões navais sobre as suas génese de Portugal. Estes dois elos não são impossível, aniquilar o adversário que opera linhas de comunicação. contraditórios, pelo contrário, são noutra dimensão que não a nossa. Assiste-se, então, a um paralelismo entre as complementares e úteis como tal. Parafraseando Julgamos ser ainda útil introduzir sucintamente teorias geopolíticas do século XIX-XX e a posição Ferraz Sachetti (2009), a construção europeia as teorias de dois grandes geopolíticos dos geopolítica de Portugal de dupla vocação tem objetivos políticos e sociais e o elo séculos XIX e XX: Alfred Thayer Mahan e Halford marítima e continental. De facto, como a própria transatlântico é sinónimo de interesses John Mackinder. Se para Mahan as capacidades História nos ilustrou, seria um erro crasso se securitários, defensivos e estratégicos. Para além navais eram a chave do poder nacional, para Portugal considerasse mais a sua vocação disso, as nossas fronteiras económicas e Mackinder o factor crucial passava pela A geopolítica de Portugal reside em duas realidades: a afirmação e a pressão de um vetor de matriz europeia-continental e a exigência e necessidade de uma procura de vetores de compensação que foquem o posicionamento de Portugal em relação à dimensão atlântica, nomeadamente com o Reino Unido, Estados Unidos e CPLP. P6 De facto, como a própria História nos ilustrou, seria um erro crasso se Portugal considerasse mais a sua vocação marítima em detrimento da continental, ou vice-versa, não pensando a questão através de uma lógica de complementaridade. marítima em detrimento da continental, ou vice- externa e um instrumento fundamental de às teorias geopolíticas de Mahan e Mackinder, versa, não pensando a questão através de uma influência do Estado na sua afirmação regional e escolher uma das duas vertentes marítima ou lógica de complementaridade. no seio das organizações regionais e continental poder-se-á traduzir num fracasso. Como bem sabemos, a União Europeia é parte internacionais a que pertence. Deste modo, é Deseja-se, sim, que Portugal agarre todas as integrante do nosso presente e do nosso futuro, percetível observar a importância da CPLP para oportunidades possíveis desta magnífica apesar de hoje Portugal ser um protetorado Portugal um palco perfeito para estreitar dualidade em que nos inscrevemos e que a financeiro do BCE, FMI e Comissão Europeia e de relações com os restantes Estados membros. vejamos enquanto um ativo estratégico para o a própria União Europeia viver num clima de Por outro lado, a Comunidade, através da sua país. incerteza relativamente ao seu destino. Contudo, Estratégia dos Mares da Lusofonia, definiu um outras valências são igualmente importantes para conjunto de objetivos com vista ao nós, como a CPLP e o Atlântico Sul. desenvolvimento de uma estratégia de afirmação 1 “Falantes de Português”. Site do Observatório Como já foi referido, se as fronteiras regional que possibilite a convergência de ações da Língua Portuguesa. Disponível em políticas/económicas e de segurança e defesa de dos países membros, o que para Portugal se http://observatorio-lp.sapo.pt/pt/dados- Portugal habitam na órbita, respetivamente, da traduz numa oportunidade única no sentido de estatisticos/falantes-de-portugues. Consultado União Europeia e da NATO, as fronteiras culturais atuar em áreas de tamanho interesse como os em 21 dezembro de 2011. residem no Atlântico Sul e até onde a CPLP nos assuntos marítimos. levar. De acordo com Vieira Matias (s.d.), a Portugal é- Aron, Raymond (2003). Peace and War: A Theory lhe conferida a centralidade atlântica capaz de Portugal é um país híbrido, dada a of International Relations. New Jersey: compensar a posição de periferia continental. Por complementaridade das suas tendências Transaction Publishers. outro lado, é no Atlântico Sul que predominam as marítimas e continentais. Bernardino, Luís Manuel (2011). “A Segurança principais rotas comerciais do mundo, assim Marítima enquanto razão da sua ligação com o Marítima no seio da CPLP: Contributos para uma como muitos desafios marítimos que influenciam mar ao longo da sua história e por conseguinte Estratégia nos Mares da Lusofonia”. Nação e Portugal. Na verdade, importa também salientar o pela projeção dos seus interesses no Atlântico Defesa n.º 128. Lisboa: Instituto da Defesa facto de Portugal poder contrabalançar o peso do Sul, bem como pela estreita relação com a CPLP Nacional.Brasil no Atlântico Sul, e porventura também de enquanto teatro de confluências de interesses e Angola, fazendo com que tenha um papel ativo de atuação aos mais diversos níveis. Castro, Therezinha (s.d.). Atlântico Sul: nesta área geográfica em que está inserido. Continental pois pese embora a União Europeia Geopolítica e Geoestratégia. Brasília: Escola Relativamente à CPLP, sabemos que se projeta se encontre num momento de alguma Superior de Guerra. em quatro continentes, unida por três oceanos, instabilidade esta será sempre uma realidade Dougherty, James E. e Robert Pfaltzgraff (2003). ligando perto de 250 milhões de falantes da inquestionável para Portugal. Por outro lado, “Relações Internacionais. As teorias em 1língua portuguesa . É, pela sua natureza, uma Portugal é um país naturalmente continental ao confronto”. Lisboa: Gradiva.organização prezada para Portugal, dadas as se inscrever no continente europeu, facto que suas raízes lusófonas. Este singular património jamais será alterado e que oferece também Duarte, António Paulo (2003). O Equilíbrio Ibérico, geocultural representa para cada Estado membro diversas oportunidades. Século XI-XX. História e Fundamentos. Lisboa: um mecanismo estratégico da sua política Paralelamente através de referências genéricas Instituto da Defesa Nacional/Edições Cosmos. NOTAS BIBLIOGRAFIA OBSERVAÇÕES FINAIS maio 2012brief A Portugal é-lhe conferida a centralidade atlântica capaz de compensar a posição de periferia continental. Deseja-se que Portugal agarre todas as oportunidades possíveis desta magnífica dualidade em que nos inscrevemos e que a vejamos enquanto um ativo estratégico para o país. Fonseca, Carmen (2011). “O Brasil e a n.º 116. Lisboa: Instituto da Defesa Nacional. Segurança no Atlântico Sul”. Nação e Defesa, n.º Pinto, António Costa e Nuno Severiano Teixeira 128, Instituto da Defesa Nacional. (eds) (2005). A Europa do Sul e a Construção da Fontoura, Luís (2001). CPLP: A Importância do União Europeia. 1945-2000. Lisboa: Imprensa de Brasil no Espaço Lusófono. Conferência proferida Ciências Sociais. na Academia Internacional da Cultura Ruivo, Mário e Inês Gameiro (2009). “O Mar nas Portuguesa. Mentalidades Nacionais. Kennedy, Paul (1988). Strategie et Diplomatie: Mistério/Descoberta/Desenvolvimento 1870-1945. Paris: Economica. 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