17 NA??O DEFESA A Institui??o Militar no S?culo XXI Ver?o 2001 N? 98 ? 2.? S?rie pp. 17-31 Martins Barrento General do Ex?rcito 19 NA??O DEFESA 1. INTRODU??O Para tentar saber o que poder? ser a Institui??o Militar no s?culo XXI, pareceu-me ajustado adoptar a metodologia que se indica: num primeiro passo, fazer a caracteriza??o da Institui??o na ?poca ante- rior; seguidamente, referenciar os elementos end?genos e ex?genos que hoje se notam e que possam determinar a sua evolu??o; por fim, fazer reagir esses elementos no quadro da caracteriza??o daquele per?odo, na tentativa de adquirirmos uma vis?o prospectiva da Insti- tui??o. Apesar do risco em que sempre se incorre quando pretendemos ?saber? o futuro, com esta abordagem dever? ser poss?vel chegar, racionalmente, a um esbo?o do que poder?o vir a ser os aparelhos militares no s?culo que agora come?ou. Como nota introdut?ria deve sublinhar-se que a evolu??o da sociedade, das institui??es e da Hist?ria, em geral, caracteriza-se pela continuidade, a qual se n?o conforma com esta divis?o do tempo, em anos, s?culos e mil?nios. Quer isto dizer que a fronteira entre os s?culos ? apenas nossa, nesse jeito humano de arrumarmos as coisas no tempo, e que os elemen- tos de evolu??o s?o sintomas que tamb?m se n?o acomodam a essa arruma??o. A Institui??o Militar no s?culo XXI h?-de ser sempre a resultante de uma adapta??o progressiva ?s necessidades, cen?rios e desafios que se v?m revelando, ou ir?o surgir, tendo em conta o aperfei- ?oamento dos equipamentos, ou os novos ?utens?lios? que a ci?ncia e a tecnologia tornar?o dispon?veis. De acordo com aquilo que nos foi pedido, pretende-se uma vis?o global da evolu??o e n?o o tratamento do caso nacional. Assim faremos. Deve, por?m, notar-se, que sendo muito dif?cil apresentar um caminho de evolu??o que contenha o que vai acontecer nas diversas regi?es do globo, tentaremos apresentar um panorama abrangente, ainda que este possa conter aquele velho pecadilho que ? termos uma vis?o demasiadamente europeia das coisas. Deve tamb?m dizer-se, nesta introdu??o, que a fun??o que exerci at? h? bem pouco tempo ? Chefe do Estado-Maior do Ex?rcito ? n?o me d? qualquer autoridade para elaborar sobre esta mat?ria, por a nossa aten- ??o ter estado quase totalmente dedicada ? solu??o dos problemas do presente e do futuro pr?ximo, havendo muito pouca disponibilidade para a reflex?o que a visualiza??o a longo prazo exige. A Institui??o Militar no S?culo XXI 20 NA??O DEFESA Martins Barrento Ao reflectirmos agora sobre esse devir, desejamos que este despreten- sioso trabalho seja claro e pol?mico, por forma a suscitar a disc?rdia e o debate. Se assim acontecer, n?o saberemos por certo o que v?o ser os aparelhos militares do s?culo XXI, mas se o nosso esbo?o contribuir para o aperfei?oamento do desenho, consideraremos ?til este artigo. 2. A INSTITUI??O MILITAR NO FINAL DO SEGUNDO MIL?NIO O aparecimento e a afirma??o dos Estados-Soberanos, na segunda me- tade do segundo mil?nio da nossa Era, levou ? forma??o de aparelhos militares que deram ao Poder a capacidade de utilizar o bra?o armado em proveito dessa identidade e afirma??o. Eles manifestavam o poder do Estado no seu interior, face aos pa?ses vizinhos e, por vezes, em espa?os geogr?ficos afastados; mais modestamente, eram ve?culos da coes?o interna e mostravam a vontade de defender as suas fronteiras. Ap?s a revolu??o francesa, com o contacto directo que se estabeleceu entre o cidad?o e o Estado, o dever de defesa passou a ser parte integrante da cidadania e a guerra ultrapassou as fronteiras para defender ou fazer impor as ideias revolucion?rias. Porque o dever era quase gratuito e o ?sangue? se tornou mais barato, os ex?rcitos aumentaram de volume e passaram a ser mais facilmente chamados a intervir. No nosso s?culo, fun??o de uma quase exponencial evolu??o tecnol?gica, aumentou-se significativamente a capacidade de movimentar, comunicar e destruir, tendo-se at? chegado ao paroxismo do aniquilamento com o nuclear. Essa demonstra??o do apocalipse conseguiu a ?Grande Paz?, chamada ?Guerra Fria?, mas procurando-se evitar a grande guerra entre os desenvolvidos aparelhos militares das duas superpot?ncias e dos seus aliados, n?o se impediu as pequenas guerras e ressurgiram velhas t?cni- cas de agir contra os mais poderosos, como a subvers?o e o terrorismo. Os aparelhos militares adaptaram-se aos desafios, ? seguran?a, ? complementaridade e ? converg?ncia de esfor?os obtida nas alian?as; procuraram ultrapassar ou estar ao n?vel dos poss?veis advers?rios no campo tecnol?gico; quanto ? organiza??o, experimentaram responder ?s necessidades militares tendo em conta a tecnologia que incorporaram e as condi??es sociais e financeiras dos respectivos pa?ses; procuraram solu- ??es, quanto ao potencial humano, que foram da conscri??o ao profissionalismo; e, de um modo geral, afirmando posi??es defensivas, 21 NA??O DEFESA muitos prepararam e mantiveram capacidades ofensivas que s?o mani- festa??es de poder e d?o uma maior credibilidade ? dissuas?o. No final do s?culo assistimos ? utiliza??o intensa dos aparelhos militares em opera??es de apoio ? paz, porque conservando a capacidade de realizar aquilo que deles se espera ? o combate ? al?m de efectuarem as ac??es necess?rias t?m um efeito dissuasor sobre as partes em conflito e guardam a capacidade para operar em patamares superiores de vio- l?ncia. 3. ELEMENTOS DE MUDAN?A Os principais elementos de mudan?a devem ser procurados na moldura pol?tica internacional e no quadro geoestrat?gico da? decorrente; no quadro pol?tico e na sua evolu??o, por ser a pol?tica quem determina a utiliza??o dos aparelhos da coac??o militar; e na evolu??o cient?fica e tecnol?gica, por serem estas que originam e produzem as altera??es nos meios de utiliza??o militar e, consequentemente, nas suas estruturas organizativas e processos de actua??o. Procuremos, ent?o, descobrir os elementos de mudan?a nestas tr?s ?reas. a. No Quadro Global As grandes altera??es no quadro global s?o, em nossa opini?o, o surgimento de novas amea?as, o fen?meno da globaliza??o, a diferen?a cada vez mais n?tida entre pa?ses ricos e pobres, o facto de termos chegado no final do mil?nio a um sistema de poder unipolar, e a esperan?a da paz que se instalou e expandiu com o fim da Guerra Fria. O aparecimento de novas amea?as, como a destrui??o do ambiente, do Homem e da tranquilidade, por ac??o do homem, passou a ser motivo de particular preocupa??o. Parece hoje definitivamente adquirido que os modelos de desenvolvimento e a inc?ria que degradam o ambiente para al?m dos limites em que ainda ? poss?vel sua regenera??o, n?o s?o aceit?veis. Assim como h? regras que restringem a liberdade dos indiv?- duos quando esta interfere de forma inaceit?vel com a dos outros, prevalecendo o interesse social sobre o individual, h? tamb?m que definir e impor normas que evitem a destrui??o deste legado que ? de todos ? a A Institui??o Militar no S?culo XXI 22 NA??O DEFESA Terra. Outro tanto acontece com aqueles que para obterem lucros enor- mes n?o hesitam em destruir o Homem e a sua vontade, criando depen- d?ncias logo na juventude e dando origem a problemas humanos tr?gicos e de muito dif?cil solu??o. Sem o car?cter de novidade ressurge tamb?m o terrorismo, como processo utilizado por certos grupos para fazer valer os seus pontos de vista, em completo desrespeito e ruptura com a vida, com o homem, com a propriedade e com o direito. Mas agora apresenta elevados n?veis de viol?ncia, que v?o do suicida-bomba, agindo em fun- ??o de extremismos religiosos doentios, ao emprego de meios de destrui- ??o de massa, do biol?gico ao qu?mico e que poder? chegar ao nuclear. A globaliza??o faz com que o Homem, onde quer que esteja, n?o possa continuar indiferente ao que de essencial se passa em qualquer outra parte do mundo. A no??o do mundo f?sico finito, que surgiu a meio do segundo mil?nio em resultado dos descobrimentos portugueses, atinge agora o conhecimento mais profundo dos outros homens, das suas institui??es, das suas maneiras de estar e de agir. Pela evolu??o dos transportes, pela rapidez das not?cias, pela consci?ncia da unidade da ra?a humana e da participa??o comum no usufruir da vida e na gest?o dos recursos da Terra, acabaram os isolamentos e a autarcia de que usufru?am as unidades pol?ticas e surgiram direitos e normas universais que as fronteiras n?o podem limitar nem esconder. Se isto era j? uma preocupa??o antiga, como vimos, em Las Casas, quando se referia aos direitos dos ?ndios dos novos territ?rios conquistados, hoje passa-se em rela??o a todos os homens no interior de todos os pa?ses. ? como se a frase da filosofia cl?ssica, de que ?nada do que ? humano me ? indiferente?, adquirisse resson?ncias pol?ticas e tocasse a vontade de agir. Uma alte- ra??o desta natureza tem for?osamente que produzir efeitos nos modos de actuar a n?vel pol?tico e, nomeadamente, quanto ? utiliza??o dos aparelhos militares. Tudo isto sucede, tamb?m, num momento de desenvolvimento muito desigual, em que o fosso que separa os pa?ses ricos e pobres ? cada vez mais pronunciado. De facto, os pa?ses pobres n?o t?m os conhecimentos e o capital que necessitariam para o seu progresso e a l?gica da economia n?o favorece o suprimento dessas falhas. Tendo muitos desses pa?ses adquirido a sua independ?ncia pol?tica em tempos recentes, o que se tem vindo a verificar, em muitos casos, n?o houve id?ntico movimento no ?mbito da economia; contrariamente, a sua depend?ncia econ?mica tem aumentado. Martins Barrento 23 NA??O DEFESA Nesta situa??o, parece que s? com a solidariedade universal ou com uma ?Nova Ordem Internacional? se poder?o encontrar os caminhos para a solu??o deste magno problema. Al?m disso, como est?o normalmente associados ? falta de desenvolvimento, crescimentos demogr?ficos muito elevados, as diferen?as de bem-estar em rela??o aos pa?ses ricos, as priva??es e at? a fome s?o cada vez mais dif?ceis de aceitar, originando um reconhecido mal-estar. Este ? um quadro de tens?es que poder? adquirir tonalidades r?cicas, j? que as fronteiras entre o bem-estar e o mal-estar separam, muitas vezes, ra?as e etnias. Apesar destas grandes divis?es, com o desaparecimento da Uni?o Sovi?- tica e as limita??es ainda existentes na Europa e na China, pass?mos a viver num mundo unipolar. Nenhum outro poder est? hoje em condi??es de competir com os EUA, que por isso usufrui de uma demasiada liberdade para agir e interferir em todo o mundo na defesa dos seus pr?prios interesses. Al?m disso, quando esses interesses n?o s?o parti- lhados com os interesses dos outros pa?ses, surgem naturalmente tens?es. Mesmo quando ? utilizado o argumento de se agir na defesa de certos princ?pios, actuando quase como pol?cia do Orbe, grande parte dos pa?ses n?o lhe reconhece esse direito, pois as interven??es s?o ditadas muito mais pelo interesse do que pelo altru?smo. No quadro mundial deve falar-se, ainda, na esperan?a de paz que surgiu e se expandiu com o fim da Guerra Fria. Como sucede, frequen- temente, depois dos grandes conflitos, ap?s a elevada tens?o em que se viveu at? ? ?ltima d?cada do mil?nio, consequ?ncia das diferen?as ideol?gicas dos dois blocos e dos sofisticados e diversificados arsenais dispon?veis, a ideia de se ter chegado ? paz atingiu grande parte da humanidade. Isto ? particularmente not?vel no mundo ocidental em que nos inserimos, dada a propens?o, idealista mas pouco racional, que a maioria da ?inteligentzia? tem para abra?ar a utopia da paz. Infelizmente, como sucedeu tamb?m em per?odos anteriores, os acon- tecimentos est?o afirmando com muita clareza que a condena??o da guerra e a utopia da paz n?o conseguem vencer as puls?es bel?geras que existem em muitos grupos pol?ticos, raciais, religiosos e, at?, civilizacionais. A obten??o de finalidades pol?ticas e de outros interes- ses pela afirma??o da viol?ncia continua a existir sem que se vislum- bre o seu desaparecimento, e a viol?ncia disp?e hoje de uma capaci- dade acrescida de destrui??o, resultante da letalidade dos modernos instrumentos b?licos. A Institui??o Militar no S?culo XXI 24 NA??O DEFESA Este quadro global que tra??mos ?, pois, uma moldura preocupante sobre o devir das sociedades pol?ticas e do homem, e ter? por certo implica??es nas institui??es militares que futuramente ir?o existir. b. No Quadro Pol?tico No quadro pol?tico os principais agentes de mudan?a devem ser encon- trados nas formas como o regionalismo se manifesta, no enorme poder que hoje tem a comunica??o social e no peso que adquiriu a opini?o p?blica em rela??o ? condu??o da manobra pol?tica. O macroregionalismo ? um fen?meno que ganhou maior projec??o na segunda metade do s?culo XX, com o fim da II Guerra Mundial e a eman- cipa??o de territ?rios n?o aut?nomos que se lhe seguiu. De facto, come?ou-se a adquirir consci?ncia de que a maioria das unidades pol?ti- cas n?o estava em condi??es de, por si s?, se libertar da tutela das grandes pot?ncias e de poder competir com elas nos mais diversos dom?nios. Esta constata??o conduziu ao agrupamento de v?rios pa?ses em institui??es regionais, que estando primariamente orientadas para assuntos de ordem econ?mica, t?m tamb?m hoje preocupa??es de ordem pol?tica. Dessas regi?es a que mais nos interessa e representa uma not?vel evolu??o ? a Uni?o Europeia, na qual se deram importantes passos no sentido de uma maior integra??o, mas em que se nota ser dif?cil fazer convergir diferentes interesses nacionais em pol?ticas comuns, nomeada- mente nos campos da pol?tica externa e da seguran?a. Com avan?os e recuos e certamente com lentid?o, fun??o do peso da Hist?ria, das institui??es e das diferen?as de sensibilidade existentes nas v?rias uni- dades pol?ticas, ? todavia prov?vel que se venham a definir, naqueles dois campos, orienta??es mais claras e exequ?veis. ? igualmente pens?vel que ao longo deste s?culo processos semelhantes venham a acontecer noutras regi?es, por ser esta uma forma l?gica de fazer convergir capacidades e obter sinergias que permitam diminuir as posi??es de depend?ncia e subalternidade em rela??o ?s grandes pot?n- cias. Basta lembrar que nas Na??es Unidas o poder continua a residir muito mais na oligarquia dos membros permanentes do Conselho de Seguran?a, do que no plen?rio da Assembleia Geral. O microregionalismo, em nosso entender, vai manifestar-se frequente- mente, porque em muitas unidades pol?ticas existem regi?es com certa Martins Barrento 25 NA??O DEFESA identidade que aspiram ? autonomia, ou mesmo ? independ?ncia, n?o hesitando em utilizar a viol?ncia para as conseguir. Ap?s a queda do muro, certos pa?ses apoiaram a cria??o de novas fronteiras, contrariando a ideia ainda existente de que seria prefer?vel para a paz que estas n?o fossem alteradas. Fun??o destes ?maus exemplos? e dos conflitos que originaram, julgamos que futuramente estas situa??es devam ser ava- liadas com muito mais cuidado. Com efeito, h? que distinguir os casos em que existem genu?nas, l?gicas e aceit?veis tend?ncias auton?micas e aqueles em que apenas h? uma minoria activa e violenta que quer o poder, ou se manifesta o interesse das outras unidades pol?ticas em estender a sua soberania ou influ?ncia a essas regi?es. Todas estas quest?es se tornam ainda mais complexas, porque sendo as fronteiras, at? certo ponto, is?baras do poder, para al?m dos poderes da unidade pol?tica e da regi?o em causa, est?o presentes os dos estados vizinhos que apoiem ou desapoiem a autonomia e at? o da comunidade internacional, nos casos em que aquela quest?o lhe n?o ? indiferente. Pensando na presen?a de todos estes actores, ? f?cil concluir que surgir?o desacordos e tens?es que, a n?o serem resolvidos a n?vel pol?tico, poder?o degenerar em conflitos. Isto sucede, neste momento, em v?rias regi?es do globo, sendo a maior parte das actuais interven??es militares interna- cionais resultante de situa??es desta natureza. A comunica??o social tem uma influ?ncia cada vez maior na pol?tica. Pelo impacto que tem no p?blico ela pode gerar agita??o ou acalmia, confian?a ou suspei??o, inflamar ?dios ou dilu?-los, informar ou desinformar, criar seguran?a ou inseguran?a. Com base no dever de informar e na liberdade para o fazer, de que usufruem nos regimes democr?ticos, os seus agentes (particularmente os que determinam a pol?tica de informa??o) podem hoje soltar ventos que depois se n?o controlam, ou serem tentados a substituir o poder pol?tico institu?do. Por vezes querem-nos fazer crer que s?o agentes de uma democracia directa, tipo cidade de Geneve, de Rousseau; mas eles disp?em, de facto, de tal poder, que utilizando tamb?m uma ideia daquele pensador, seria bom que fosse s? Deus a us?-lo; o problema ? que quem o usa s?o apenas homens que exprimem o interesse de um grupo, ou o seu pr?prio interesse, muitas vezes afastado do interesse da maioria. O peso das opini?es p?blicas, na sociedade ocidental, ? tamb?m um importante elemento a ter em considera??o, porque estas condicionam fortemente a ac??o pol?tica. Isto sucede porque os detentores do poder A Institui??o Militar no S?culo XXI 26 NA??O DEFESA est?o hoje altamente dependentes de continuarem a exerc?-lo em fun??o da opini?o p?blica e porque os dirigentes pol?ticos demonstram, de um modo geral, um demasiado apego pelo mesmo; por o p?blico ser influen- ciado pela comunica??o social, a qual, tendo interesses pr?prios, se comporta frequentemente como um contra-poder; porque os pol?ticos t?m, por raz?es hist?ricas, algum pudor em fazer pedagogia, temendo que essa atitude possa ser confundida com a propaganda, t?cnica que foi muito empregue pelos regimes ditatoriais. Estas raz?es fazem com que a classe pol?tica olhe com muita aten??o, quando n?o com temor, as opini?es p?blicas, levando-a a abra?ar com facilidade o populismo e a demagogia e a agir, muitas vezes, em fun??o das sondagens. Porque o p?blico ? dificilmente informado e em grande parte dos pa?ses ocidentais se faz muito pouco pela sua forma??o em cidadania, h? assuntos vitais do Estado, como a sua seguran?a e defesa, que sendo pouco conhecidos, n?o ? tornada evidente a sua necessidade por serem parcos os dividendos pol?ticos da? recolhidos. N?o tendo o p?blico conhecimento da necessidade e das necessidades das For?as Armadas, estas nunca aparecem como preocupa??es ou aspira??es da opini?o p?blica. Logo, a menos que haja uma classe pol?tica dirigente com um elevad?ssimo sentido de Estado e pendor pedag?gico, n?o se mostra aos cidad?os a imprescindibilidade dos aparelhos militares, e a ac??o pol?tica n?o contraria a sua descapitaliza??o. c. Quadro Tecnol?gico No quadro tecnol?gico, com significado para os aparelhos militares, julgamos encontrar elementos de mudan?a na precis?o da capacidade de destruir, na continua??o do desenvolvimento das armas ?anti-meios? e nos elevados custos da investiga??o e da moderna tecnologia. A capacidade de destruir com elevada precis?o a grandes dist?ncias ? algo que j? foi testado, com resultados importantes, nos conflitos do Iraque e dos Balc?s, sendo de prever melhorias de efic?cia: no rendimento (obten??o, tratamento e oportunidade) das informa??es necess?rias para a utiliza??o eficiente das armas; no aumento da dist?ncia entre as plata- formas de lan?amento e os alvos; na manuten??o de elevadas precis?es, j? que s? esta caracter?stica, conjugada com informa??es fi?veis, evitar? os danos colaterais que podem ser altamente gravosos para a evolu??o de Martins Barrento 27 NA??O DEFESA um conflito e que tamb?m deixam marcas na consci?ncia; e nos melhores rendimentos da avalia??o dos danos causados nos objectivos, opera??o importante para a conduta das opera??es. Esta capacidade ? cada vez mais importante, porque apesar de ela, por si s?, n?o poder vencer um advers?rio (isso apenas ? poss?vel colocando unidades no terreno que garantam o controlo de um territ?rio, de uma popula??o e das suas for?as militares) pode limitar significativamente as suas capacidades de defesa e de produzir baixas, bem como lev?-lo a conformar-se com determinadas regras que lhe sejam impostas. N?o ser? a ideia de Douhet, de se ter encontrado a vit?ria com o vector a?reo, mas num conflito com um advers?rio de tecnologia inferior permite limitar a utiliza??o de certas armas, impor restri??es, fazer baixar o patamar da viol?ncia. O guiamento de meios a longas dist?ncias tem sido ultimamente utili- zado com sucesso em armas e em plataformas de reconhecimento. Mas a evolu??o da tecnologia j? existente permitir?, por certo, no futuro, o guiamento eficaz de armas e de plataformas de lan?amento de armas a grandes dist?ncias, sendo l?gico apresentar-se como tend?ncia a desne- cessidade de guarni??es nesses meios, nomeadamente a?reos, o que evi- tar? perdas humanas. Na permanente ?dial?ctica? entre a espada e o escudo, o ataque e a de- fesa, a destrui??o e a protec??o, as armas ?anti-meios?, com elevada capacidade de destrui??o, ganharam realce na segunda metade do s?culo XX, fun??o dos alcances obtidos, maior efic?cia e pre?os extraordinaria- mente inferiores aos dos meios que podem destruir. Ao n?vel do nuclear o debate continua, mas quem possa dispor de defesa para armas nucleares usufrui de uma muito maior seguran?a e tranqui- lidade. Aos n?veis operacional e t?ctico, a exist?ncia de armas fi?veis anti-meios (guerra electr?nica, m?sseis e meios a?reos, carros de combate, navios de superf?cie, submarinos, etc) d? um grande conforto ao contendor que delas disponha e pode paralisar ou destruir capacidades ofensivas elevadas, com custos muito inferiores. Estas armas d?o vantagem ao defensor e funcionam como um elemento equilibrador de potenciais de combate ? partida muito desiguais. O elevado custo da investiga??o e da produ??o de meios para equipar as For?as Armadas veio criar uma diferen?a muito n?tida entre os pa?ses que t?m elevadas capacidades financeiras e tecnol?gicas e aqueles que as n?o t?m, originando um grande desnivelamento nas possibilidades de segu- A Institui??o Militar no S?culo XXI 28 NA??O DEFESA ran?a e defesa. Este diferencial apenas pode ser mitigado pelas alian?as, que disponibilizar?o meios tecnologicamente avan?ados ou seguran?a, ou ent?o pela compra de materiais por parte de pa?ses que tenham disponibilidades financeiras para os adquirir. 4. POSS?VEL EVOLU??O a. S?ntese dos Elementos Da caracteriza??o e considera??es que anteriormente fizemos, devemos reter, como elementos relativamente firmes, os seguintes: ? os aparelhos militares existentes no final do s?culo XX s?o muito diferenciados quanto ?s estruturas, formas de obten??o do potencial humano e tecnologia utilizada, fun??o das disponibilidades finan- ceiras, orienta??es pol?ticas e diversas situa??es de seguran?a. Nota-se, todavia, uma tend?ncia bastante generalizada para utilizar as For?as Armadas em proveito da pol?tica externa dos respectivos Estados, para a aproxima??o ?s tecnologias mais avan?adas que es- tejam dispon?veis e acess?veis, e para a profissionaliza??o do pessoal que as constitui. ? Tendo certas empresas e organismos supranacionais um peso cada vez maior na cena internacional e apesar de haver por parte dos Estados ced?ncias de soberania (a um n?vel superior para organiza??es regio- nais supranacionais, e a um n?vel inferior para certas regi?es com tend?ncias auton?micas), o Estado, dito soberano, continua a ser a unidade de refer?ncia da comunidade internacional. ? Apesar de a defesa de princ?pios e regras de aceita??o universal terem cada vez maior projec??o, os interesses de cada uma das unidades pol?ticas continuar?o a ser os principais elementos determinantes das ac??es pol?tica e estrat?gica. ? Vivendo-se uma ?poca de plena hegemonia americana, as regi?es e pa?ses com elevado potencial estrat?gico v?o procurar diminuir a situa??o de desvantagem em que se encontram, tentando atingir um relativo equil?brio. Enquanto tal n?o suceder, os E.U.A. disp?em de uma excessiva liberdade de ac??o para intervir, em todo o mundo, em defesa dos seus pr?prios interesses. Martins Barrento 29 NA??O DEFESA ? Como resultado das diferen?as de bem-estar, das muitas tend?n- cias auton?micas que se revelam, de diferen?as civilizacionais, ?tni- cas e religiosas que cada vez mais se confrontam sem que haja um correspondente aumento de empatia e toler?ncia, ? previs?vel um crescimento de tens?es e conflitualidade em v?rias regi?es do globo. ? Nota-se por parte da comunidade internacional uma maior preocu- pa??o com os direitos humanos, com o ambiente e com a preserva??o ou obten??o da paz, o que se traduz numa maior inger?ncia nos assuntos (at? aqui, internos) dos Estados e numa mais clara e determi- nada vontade de intervir. ? Os pa?ses v?o continuar a procurar nas alian?as militares o aumento da sua seguran?a, obtendo delas, por ced?ncia ou utiliza??o conjunta, o apoio nas val?ncias mais dif?ceis de conseguir e mais onerosas, por forma a poderem cumprir as suas miss?es com o m?ximo de efici?ncia e o m?nimo de atri??o. ? Ainda que possa vir a ser utilizada por organiza??es terroristas, a capacidade nuclear vai continuar a ser essencialmente dissuasiva do emprego de armas nucleares, n?o influenciando de maneira decisiva os aparelhos militares, excepto quanto ? exist?ncia, nos pa?ses que delas disp?em, de unidades e meios dedicados ? sua manuten??o e projec??o. Se os elementos acima indicados nos parecem ser relativamente firmes, o esp?rito de defesa existente nas v?rias unidades pol?ticas e a tecno- logia utilizada pelas For?as Armadas ser?o vari?veis, definindo, por isso, diversos cen?rios de evolu??o. Por uma quest?o de simplicidade, j? que na pr?tica a conjuga??o destas vari?veis poder? originar um leque vast?ssimo de situa??es, apresentamos apenas os quatro cen?rios seguin- tes: ? Unidades pol?ticas com elevado esp?rito de defesa e elevada capacidade tecnol?gica; ? Unidades pol?ticas com fraco esp?rito de defesa e elevada capacidade tecnol?gica; ? Unidades pol?ticas com elevado esp?rito de defesa e reduzida capaci- dade tecnol?gica; ? Unidades pol?ticas com fraco esp?rito de defesa e reduzida capacidade tecnol?gica. A Institui??o Militar no S?culo XXI 30 NA??O DEFESA b. Cen?rios de Evolu??o (1) Unidades Pol?ticas com Elevado Esp?rito de Defesa e Elevada Capa- cidade Tecnol?gica As suas institui??es militares devem: ? Garantir uma capacidade de defesa e de interven??o aut?noma, n?o descurando todavia as alian?as; ? Estar preparadas para actuar na ordem interna, isoladamente ou em complemento das for?as de seguran?a; ? Garantir capacidades ofensivas e defensivas; ? Procurar uma permanente adequa??o entre as amea?as poss?veis e inten??es prov?veis, por um lado, e as disponibilidades financeiras e tecnol?gicas, por outro; ? Utilizar o voluntariado ou a conscri??o consoante as necessidades; ? Evitar a presen?a do homem no campo de batalha, nas ?reas em que a tecnologia o permita; ? Diminuir o efectivo das unidades operacionais do Ex?rcito, man- tendo a capacidade de combate das unidades fundamentais, ? custa do aumento de tecnologia; ? Aumentar, percentualmente, o pessoal destinado ? log?stica, fun??o do aumento de meios de tecnologia avan?ada; ? Ser dinamizadora das investiga??es cient?fica e tecnol?gica nacio- nais; ? Usufruir de elevado prest?gio dentro das institui??es nacionais. (2) Unidades Pol?ticas com Fraco Esp?rito de Defesa e Elevada Capaci- dade Tecnol?gica As suas institui??es militares devem: ? Procurar nas alian?as o apoio que minimize as suas limita??es no ?mbito da defesa; ? Procurar dispor de capacidades eminentemente defensivas, dimi- nuindo as diferen?as entre as for?as de defesa e as for?as de segu- ran?a; ? Dispor de um sistema de for?as reduzido e dimensionado para as interven??es fora do territ?rio nacional; ? Utilizar exclusivamente o voluntariado como forma de obten??o de potencial humano; ? Procurar suprir a escassez de efectivos com o aumento de tecnologia; Martins Barrento 31 NA??O DEFESA ? Aumentar as unidades de servi?os e diminuir as unidades de com- bate; ? Ser utilizadoras da investiga??o nacional; ? Usufruir de pouco prestigio no seio das institui??es nacionais. (3) Unidades Pol?ticas com Elevado Esp?rito de Defesa e Reduzida Capacidade Tecnol?gica As suas institui??es militares devem: ? Procurar garantir uma capacidade de defesa aut?noma, mesmo que para isso tenham que utilizar formas n?o convencionais de fazer a guerra; ? Dispor de um sistema de for?as que valorize o quantitativo de homens nas fileiras; ? Utilizar essencialmente a conscri??o como forma de obten??o de potencial humano; ? Utilizar da melhor forma os meios dispon?veis, procurando priorita- riamente a obten??o de armas ?anti-meios?; ? Usufruir de elevado prest?gio no seio das institui??es nacionais. (4) Unidades Pol?ticas com Fraco Esp?rito de Defesa e Reduzida Capa- cidade Tecnol?gica As suas institui??es militares devem: ? Fazer a transfer?ncia das obriga??es de defesa para outro pa?s ou para uma alian?a; ? Ser progressivamente substitu?das por for?as de seguran?a; ? Estando a perder-se o atributo de Estado que era garantido com a sua exist?ncia, deve estar a verificar-se um processo de extin??o da unidade pol?tica como soberana e independente. c. Considera??o Final No final do trabalho, analisando-o, ocorre-nos a ideia de estarmos face ao ?mons parturiens?, pois a descri??o dos quatro cen?rios, acima feita, d?-nos a sensa??o que a montanha pariu um rato. Mas ser? l?gico, n?o sendo adivinho e utilizando, como cremos, um caminho intelectualmente honesto, ir mais al?m? Talvez n?o. A Institui??o Militar no S?culo XXI